por Armindo Monteiro, Presidente da CIP
Publicado no Dinheiro Vivo a 14.02.2025
Há um conhecido sketch dos Gato Fedorento em que, numa repartição, o funcionário diz ao utente que precisa de trazer o papel. Este pergunta: «Qual papel?» E a resposta é: «O papel.» o utente insiste: «Mas qual papel?» «O papel» responde incrédulo e já impaciente o funcionário. E o diálogo continua, ininterruptamente: «Qual papel?» «O papel!» «Qual papel?» «O papel!».
Esta converseta desconcertante é a caricatura perfeita do mundo opaco, bizantino e insano da burocracia em Portugal. Andamos todos aos papéis. Cidadãos, empresas e o próprio Estado. A miríade de normas, regulamentos, despachos, diretivas, disposições administrativas, guias, procedimentos, formulários, certificados, taxas, emolumentos, impostos, deixa qualquer um com a «cabeça em água».
Mas a burocracia não é só fonte de ralação e canseira. Para as empresas, trata-se de um desperdício de recursos, de um sacrifício de tempo e força anímica e de um obstáculo difícil de transpor na gestão dos negócios e obtenção de resultados, na atração e execução de investimentos, na exportação e internacionalização de atividades, na relação com a Academia e promoção da inovação, na agilização de processo se melhoria da eficiência. Para se ter uma ideia, uma microempresa com dois ou três trabalhadores tem de afetar um deles só para tarefas administrativas, desde tratar da faturação às obrigações da Segurança Social. E, nas empresas maiores, os departamentos administrativos são os mais numerosos, dada a necessidade de gerir a imensa burocracia associada à atividade empresarial.
Mas o cúmulo do absurdo burocrático, ao nível do sketch dos Gato Fedorento, é a Certificação PME, uma originalidade portuguesa que faz depender, lá está, de um papel do Estado o comprovativo do estatuto das empresas. Sendo que esse papel («Qual papel?») pode chegar às PME com os habituais vagares da Administração Pública.
O problema da burocracia tem barbas, mas continua a ser apontado por empresários e investidores como um dos principais entraves às suas atividades. Apesar dos avanços com o Simplex e outras medidas, há disfunções que persistem e precisam de ser erradicadas. Designadamente, ao nível da legislação laboral e empresarial, do funcionamento da Justiça, da complexidade do sistema fiscal, das candidaturas a incentivos, dos processos de licenciamento (sobretudo industriais), da contratação pública, da usabilidade das plataformas eletrónicas públicas e, claro, das regras ambientais.
De repente o ambiente, uma causa nobre que a todos devia mobilizar, tomou-se sinónimo de monstro burocrático, muito por causa, sejamos justos, das não menos kafkianas instituições europeias. O afã regulador da Europa atinge os píncaros na legislação ambiental, comprometendo, quantas vezes desnecessariamente, a competitividade e o investimento das empresas. O combate às alterações climáticas deve ser uma prioridade da UE, mas há que ter bom senso e engenho para não pôr em causa o crescimento económico, a coesão social e o bem-estar dos cidadãos.
É preciso mais ação e menos regulação, mais racionalidade e menos burocracia, mais eficiência e menos complexidade. Senão, vamos ficar irremediavelmente para trás não só na competitividade económica, mas também na inovação. Veja-se, por exemplo, o excesso regulatório da UE sobre a IA ainda antes desta tecnologia estar plenamente desenvolvida.

